domingo, 21 de fevereiro de 2010

Santa Catarina di Labouré

 Pintura: Santa Catarina de Labouré                Artista: Igor Giamoniano

Paz e Luz a todos

Mudando bruscamente de assunto, gostaria de compartilhar com vocês a história de uma santa que até a poucos dias eu não conhecia.
Santa Catarina de Labouré (se pronúncia Labúrre).

Ganhei da minha mãe a medalhinha de Nossa Senhora das graças, pesquisei algumas coisas e descobri a história de Santa Catarina a santa que mandou cunhar a medalha. Perceba em sua história a relação com a vida do médium e peço encarecidamente para que leiam as entrelinhas.

Santa Catarina di Labouré a médium  humilde e caridosa

Santa Catarina de Labouré nasceu em um pequeno povoado no leste da frança chamado Fain-les-mountier no dia 02/05/1806 exatamente as 18:00, filha do agricultor Pierre Gontar Labouré e de sua esposa Madeleine que ao todo fora mãe de 17 filhos. Catarina no entanto teria um papel de destaque.
    Apelidada de Zoé em razão de ter nascido no dia de São Zoé, (São Zoé é cultuado em algumas regiões de forma não oficial) foi criada com a tradição da fazenda, ajudava nos serviços de casa, tinha uma boa
relação com toda a sua família em especial com sua mãe que desencarnou quando ela tinha apenas 9 anos. Com um vazio grande no coração Catarina, contou que pegou uma imagem da Virgem Maria que ficava acima de sua lareira abraçou-a e disse: "Agora serás minha mãe!".

    Desde os 14 anos mesmo com todo o trabalho na fazenda arrumava tempo para cuidar dos pobres e doentes e já jejuava todas as sextas e sábados.
    Catarina foi crescendo e amadurecendo a sua fé, sonhou 2 vezes com a imagem de um clérigo lhe convocando para sua missão religiosa porem não entendeu os sonhos quando aconteceram.
    Com a aprovação do pai, permanece num internato durante 2 anos, perto de Chatîllon. É aqui na capela das Filhas da Caridade, que descobre quem era o sacerdote que lhe apareceu em sonho:
S. Vicente de Paulo. 
Aos 21 anos entra para a ordem das Filhas da Caridade e então que tem sua primeira visão espiritual que ela
mesmo narra:

"O coração de São Vicente me apareceu três vezes de modo diferente, três  dias seguidos: claro, cor de carne, o que anunciava paz, calma, inocência e união. Depois o vi vermelho cor de fogo, o que devia inflamar a caridade nos corações. Parecia-me que toda a comunidade devia se renovar e se
estender até os confins do mundo. Por fim o vi vermelho-escuro; o que me punha a tristeza no coração; vinham-me tristezas que eu tinha dificuldade em superar. Não sabia porque nem como, essa tristeza se relacionava com a mudança de governo".


    Catarina então buscou auxílio espiritual com seu director espiritual o Pe. João Maria Aladel, que a desencorajou rigidamente. Porem as visões não cessariam, e em 06 de Junho de 1830 teve a seguinte visão:
"Nosso Senhor me apareceu como um Rei, com a cruz sobre o peito, no Santíssimo Sacramento. Foi durante a Santa Missa, no momento do Evangelho. Pareceu-me que a Cruz escorregava para os pés de Nosso Senhor. Pareceu-me que Nosso Senhor era despojado de todos os seus ornamentos. Tudo caiu por terra. Foi então que tive os mais negros e tristes pensamentos de que o Rei da Terra seria perdido [destronado] e despojado de suas vestes reais".
 
    Ainda sim Pe. Aladel se manteve rígido em lhe dizer que suas visões eram meras "ilusões". 7 semanas após essa visão iniciava-se as primeiras agitações da comuna de Paris que culminaram a deposição do Rei Carlos X.




As visões de Nossa Senhora
Em 19 de Julho de 1830, Catarina tem outra visão a primeira em que vê Maria Santíssima, nessa visão extraordinária, as onze e meia da noite seu anjo da guarda que lhe aparece em forma de criança de forma impressionante abre a pesada porta da capela com um toque dos dedos e lhe conduz até o centro
onde esta situada a virgem santa. Maria então lhe revela uma serie de acontecimentos políticos e religiosos que abalariam a história.

A segunda aparição aconteceu em 27 de Novembro de 1830 próximo as 18:00, Catarina então viu a virgem próximo ao quadro de São José com um vestido de seda branco. Com os pés apoiados sobre uma esfera, pisava a cabeça de uma serpente e segurava um globo de ouro, nas suas mãos trazia anéis de pedras preciosas dos quais saiam intensos raios luminosos. A esfera representava o mundo inteiro os raios as graças que Maria daria a quem pedisse. Em dado momento ela viu a expressão: "Ó Maria concebida sem
pecado, rogai por nós que recorremos a vós."


Em razão desta visão Catarina mandou fazer a medalha de Nossa Senhora das Graças que fora distribuída pelos lazaranos  e se proliferou pelo mundo todo.

Catarina então morreu no dia 31 de Dezembro de 1876 e foi canonizada
em 21 de Julho de 1947 pelo papa Pio XII.



Fontes:

 Pe. Hamilton José Naville - Catarina di Labouré a santa do silêncio (História da mensageira da Medalha Milagrosa) - 2009
Fr. Joseph Dirvin - Saint Catherine Laboure of the Miraculous Medal - 1958 
Plinip Maria Solimeo - Santa Catarina Labouré a vidente da Medalha Milagrosa - www.catolicismo.com.br

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Kimbanda

Exú e Pomba Gira                                                                                             Arte: Igor Giamoniano

 Paz e luz a todos
Hoje faproveitando o carnaval, falarei de um tema polemico que nem deveria ser tão polemico assim...
A kimbanda.

Porque as opiniões se dividem tanto?
Muitas vezes por falta de fundamento histórico, a maioria das pessoas respondem o que é a kimbanda na prática através dos mistificadores, outras dão sua própria explicação falando por cima que a kimbanda é de esquerda e a umbanda é de direita (o que de certa forma não esta errado, mais esta
incompleto). A verdade é que a kimbanda é muito mais importante pra umbanda
do que pensa a maioria das pessoas.

Historicamente o que é kimbanda?
Kimbanda é uma palavra bantu que significa apenas Sacerdote, a kimbanda inicialmente era um culto primitivo dessa nação africana aos Nkisis, aos espíritos dos ex's chefes dos cultos (os Tátas) e dos ancestrais
(makungu), em breve resumo ao chegarem ao Brasil os bantus sincretizaram seu culto aos cultos da nação Yorubá relacionando o orixá Exu aos Tátas.
Aos rituais ligados aos tátas os bantus recorriam a Kálunga-Ngonbe o senhor da morte. Para esses rituais os bantus ja há muito tempo utilizavam a pemba (que foi sacralizada a partir do contato dessa nação com os árabes) alem da polvora, bebidas, perfumes (todos conhecidos pelos contatos com os árabes).

A prática ritual da Kimbanda tradicional
O kimbanda (sacerdote) também é um Nganga (feiticeiro) o rito de iniciação do Nganga consiste no mesmo ficar por um período determinado isolado na floresta até que seja manifestado por um espírito, assim que isso acontece a pessoa adoece e começa a ter visões. O Nganga da tribo trata da doença e após a cura a pessoa ganha a capacidade de ver e se comunicar com os seres da floresta.
  - O Muzambo
O muzambo é o método de adivinhação do Kimbanda, no qual ele posiciona uma tabua de madeira chamada muxacato, feito do pedaço de uma árvore mafumeira (ocá) - e o mona - um pauzinho que será esfregado no muxacato, esses objetos são sacralizados previamente amarrados e postos em contato com terra de sepultura e raizes. O Quimbanda então risca com a pemba os simbolos sagrados do muzambo, primeiro traça cruzes nas costas das mãos depois na mona, no muxacato ele fara um risco longitudinal e 3 transversais. Em seguida o kimbanda esfregará o mona no muxacato, ao longo do corpo do consulente fazendo perguntas sobre o problema deste. Se o mona deslizar livremente a resposta é não, se emperrar a resposta é sim.
   - Xinguilamento
O xinguilamento é quando um espírito tenta se manifestar em uma pessoa qualquer, as pessoas próximas a essa então devem chamar um kimbanda que através de um ritual invoca o espirito e verificara a autenticidade do transe passando pela lingua do incorporado uma agulha e uma brasa ardente.
Atestada a autenticidade do transe o kimbanda conversa com o espírito que pode ser um makungu (ancestral) ou divindades especies de catiças dos Nkisis.

Umbanda e Kimbanda: Entre a cruz e a encruzilhada
A Umbanda tem grandes semelhanças aos ritos bantus, o uso de bebida e fumo para magnetização, a incorporação de ancestrais (preto-velhos), a pemba como instrumento ritual, os orixás e os exus são todos elementos que veem dos Bantus sincretizados com os Jéjes. Em meio a isso tudo realizava-se ainda o sincretismo com os santos católicos, os indios e posteriormente o kardecismo francês. Dentro da kimbanda tradicional foi-se então adicionada a moral cristã e indigena, e fora expandida por todo territorio nacional principalmente no Rio de Janeiro de onde veio a consolidação dessa nova religião de unificação de tantos sistemas e culturas na pessoa de Zelio Fernandino de Morais e do espírito do Caboclo das 7 Encruzilhadas.

A Kimbanda hoje
A umbanda unificava os ritos Omolokos e Bantus, porem tais tribos possuíam suas rivalidades, enquanto de um lado estava umbanda, a kimbanda  havia se tornado uma especie de  resistência a essa nova corrente, desapegada as morais cristãs porem não conseguiu se livrar do sincretismo que viria com o tempo, relacionando os tátas, posteriormente exus aos demonios judaico-cristão. Hoje a kimbanda esta banalizada, uma série de pessoas mal-intencionadas praticam magia negra se passando pelo nome de kimbandistas, outras correntes de kimbanda ainda possuem um trabalho mais serio com os exus e pombogiras mais ainda com mentalidade de resistência a umbanda sendo desapegados a moral cristã, deixando a cargo das entidades julgarem por si só o que é e o que não é correto, como descreveu Diana Brown antropologa da Universidade de Indiana "Os Exus parecem afirmar o poder e autonomia do indivíduo e exercer seus próprios interesses em contraponto os interesses e os códigos morais estabelecidos pelo Estado, a sociedade e a família" e muitas vezes cultuando demônios com o auxilio de um manual medieval de
demonologia chamado "Gran Grimorium".

Considerações
Ainda a muito estudo se fazer sobre a formação da umbanda e dos cultos africanos no Brasil, foram anos de marginalização e preconceito, há muitas informações a serem averiguadas e impressionantes relatos de uma época nem tão distante assim.
O ponto mais importante é que a umbanda é uma religião de sincretismo, foi formada dessa forma e dessa forma evolui, por isso vemos por ai tantas correntes, todas com sua forma própria de trabalho e evolução sendo vistoriadas pelos guias no astral. A umbanda sabendo da importãncia dos Exus e Pombogiras os sincretizou em sua gira moralizando os espíritos que se apresentam nessa linha e seguindo a máxima "tudo que esta acima é como o que esta embaixo" mais isso é assunto para outro post.

















Exu 7 Porteiras                                                                                                                Arte: Igor Giamoniano






Fontes bibliograficas:

Seu Osvaldo de Exu Rei (Babalorixá Omotobàtála) - Exu na lei de kimbanda

Diana G. Brown - Social Science Research Concil - Umbanda - American Anthropological Association (1988)

Nei Lopes - Kitábu: O livro do saber Africano - O Universo espiritual dos ambundos (conforme Ribas, 1985)

Alice Webner - África, mitos y leyendas - Mitologia Bantu que influenciou os cultos Afro-Brasileiros

Mário Teixeira de Sá Junior - Entre a Kimbanda e a quimbanda: Encontros e desencontros - Universidade Federal Fluminense

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A Sabedoria indigena brasileira

                  O Pajé e o Maracá - Felipe Néry (Óleo Sobre tela)

"Aqui no Brasil não acontece nada por os Guarani ainda estão segurando essa terra,
rezando, implorando a Ñanderu pra segurar de pé esse mundo. E Ñanderu não deixa
acontecer nada. Em outra parte da Terra está acontecendo muito castigo, de fogo
de enchente, de vento forte, não sei quanta coisa; por que isso? Porque lá não tem Guarani."
(Informante Guarani de  Garlet 1996).

Paz e Luz a todos
Fiquei um tempo sem postar, pois estava fazendo uma pequena pesquisa que ainda não dou por terminada acerca da religiosidade indigena. É impressionante a grandeza da espiritualidade dos indios que nós disperdisamos.
Na tenda que frequento antes de começar a gira sempre fazemos uma oração pedindo força e luz para trabalharmos e em dado momento o chefe da casa diz: "Dê a nós o merecimento da verdade..." buscamos sempre tal merecimento, porêm há uma coisa que não devemos fazer, é esperar a verdade "cair do céu". Com certeza nossos guiás nos ajudam e nos conduzem mais só naquilo que ainda não temos meios físicos para descobrir.
Ví a alguns dias atras um documentario da rede cultura sobre o Pajé Sapaim, Pajé que ficou famoso por percorrer o Brasil e o mundo curando doenças e algo me impressionou. O seu ritual de cura, através do charuto é praticamente identico ao utilizado pelos nossos caboclos na umbanda. É obvio, porque os médiuns estão incorporados por espiritos de indios (ou que trabalham com esse método), Porem será que todos os médiuns conhecem o processo que está por trás desse ritual?
Antes de começar gostaria de dizer que algumas partes do conteudo da pesquisa é antroposófica pois achei muito conveniente a coligação entre essa filosofia e o nosso conhecimento antropológico do comportamento indigena no que diz respeito a pajelança.

Cósmologia indigena e sua relação com a tradição esoterica
O alto do Xingú é uma comunidade indigena milenar que sempre se manteve em harmonia, até mesmo promovendo o comércio entre sí, todas as tribos dessa comunidade possuem sua organização diretamente ligada ao mundo dos espiritos e a sua cosmologia. Para os xingúanos Mavutsini é o  Deus criador de todas as coisas, é a força mais poderosa criadora do universo, da terra e das pessoas, "Ele tem um sol em seu peito, mas não é este sol do céu, é outro sol” – dizem. Mavutisni é imagem e semelhança do homem e criou a mulher a partir de um tronco de arvore "mawu" jogou nela determinadas ervas para encantala, depois passou as asas de um mosquito no seu nariz e assim ela espirrou e despertou, após isso seguindo o mito Tupi da criação,  Mavtsini (Monan para os Tupis) mandou que elas se casassem com a raça dos jaguares míticos –seres titânicos muito ferozes, seres do caos. Deste casamento das filhas de Monan com as onças é que descendem todos os homens e mulheres. Por isto temos uma essência divina, Ayvu, e Monan é nosso avô celeste e somos – como dizem os Araweté, “deuses esquecidos aqui na terra”. Por outro lado, todos nós temos “sangue de jaguar”, somos filhos da Onça Primordial, e por isto guardamos parentesco com toda a ferocidade predatória e canibal que a natureza apresenta.¹ Esse mito relembra o evangelho apócrifo de Enoch, e da teologia gnóstica.
Para os indios o corpo não é apenas formado por corpo fisico e espiritual mais pelo Corpo Fisico, um corpo "parecido com o fisico" que se desprende deste após a morte e assombra as pessoas próximo as suas tumbas, o corpo animal(anhangá) e o espirito (mamaé), tal divisão é semelhante a divisão usada nas escolas esotéricas como a Grande Fraternidade Branca e a Rosa Cruz.

                         Kuarup                            foto: Sandra Zaur

Kuarup
A maior festa entre os indios xingúanos é o Kuarup, que reune indios de todas as tribos da região para relembrarem os mortos, o dono do Kuarup deve antes de se iniciar a celebração sair para pescar e ao regressar deve deixar todos os peixes sobre aonde esta enterrado o corpo. Dai para frente os Pajés se reunem e preparam a tribo para a chegada dos espiritos. Transcrevo a narrativa de Agostinho sobre o mito que é lembrado na festa:

"Mavutsinim (o primeiro homem no mundo) queria que os seus mortos voltassem à vida. Foi para o mato, cortou três toros da madeira de Kuarup, levou para a aldeia e os pintou. Depois de pintar, adornou os paus com penachos, colares, fios de algodão e braçadeiras de penas de arara.
Feito isso, Mavutsinim mandou que fincassem os paus na praça da aldeia, chamando em seguida o sapo cururu e a cutia (dois de cada), para cantar junto dos Kuarup. Na mesma ocasião levou para o meio da aldeia, peixes e beijus para serem distribuídos entre o seu pessoal. Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão direita, cantavam sem cessar em frente dos Kuarup, chamando-os à vida.
Os homens da aldeia perguntavam a Mavutsinim se os paus iam mesmo se transformar em gente, ou se continuariam sempre de madeira como eram. Mavutsinim respondia que não, que os paus de Kuarup iam se transformar em gente, andar como gente e viver como gente vive.
Depois de comer os peixes, o pessoal começou a se pintar, e a dar gritos, enquanto fazia isso. Todos gritavam. Só os maracá-êp é que cantavam. No meio do dia terminaram os cantos, o pessoal, então, quis chorar os Kuarup, que representvam seus mortos, mas Mavutsinim não permitiu, dizendo que eles, os Kuarup, iam virar gente, por isso não podiam ser chorados.
Na manhã do segundo dia Mavutsinim não deixou que o pessoal visse os Kuarup. "Ninguém pode ver" - dizia ele. A todo o momento Mavutsinim repetia isso. O pessoal tinha que esperar. No meio da noite desse segundo dia os toros de pau começaram a se mexer um pouco. Os cintos de fios de algodão e as braçadeiras de penas tremiam também. As penas mexiam como se estivessem sacudidas pelo vento. Os paus estavam querendo transformar-se em gente.
Mavutsinim continuava recomendando ao pessoal para que não olhasse. Era preciso esperar.
Os cantadores - os cururus e as cutias - quando os Kuarup começaram a dar sinal de vida cantaram para que se fossem banhar logo que vivessem. Os troncos se mexiam para sair dos buracos onde estavam plantados, queriam sair para fora. Quando o dia principiou a clarear, os Kuarup do meio para cima já estavam tomando forma de gente, aparecendo os braços, o peito e a cabeça. A metade de baixo continuava pau ainda.
Mavutsinim continuava pedindo que esperassem, que não fossem ver. "Espera...espera...espera" - dizia sem parar. O sol começava a nascer. Os cantadores não paravam de cantar. Os braços do Kuarup estavam crescendo. Uma das pernas já tinha criado carne. A outra continuava pau ainda. No meio do dia os paus começavam a virar gente de verdade. Todos se mexiam dentro dos buracos, já mais gente do que madeira.
Mavutsinim mandou fechar todas as portas. Só ele ficou de fora, junto com os Kuarup. Só ele podia vê-los, ninguém mais. Quando estava quase completa a transformação de pau para gente, Mavutsinim mandou que o pessoal saísse das casas para gritar, fazer barulho, promover alegria, rir alto junto dos Kuarup. O pessoal, então, começou a sair de dentro das casas.
Mavutsinim recomendava que não saíssem aqueles que durante a noite tiveram relação sexual com as mulheres. Um, apenas, tinha tido relações. Este ficou dentro da casa. Mas não agüentando a curiosidade, saiu depois. No mesmo instante, os Kuarup pararam de se mexer e voltaram a ser pau outra vez.
Mavutsinim ficou bravo com o moço que não atendeu à sua ordem. Zangou muito, dizendo: - O que eu queria era fazer os mortos viverem de novo. Se o que deitou com mulher não tivesse saído de casa, os Kuarup teriam virado gente, os mortos voltariam a viver toda vez que se fizesse Kuarup. Mavutsinim, depois de zangar, sentenciou:
- Está bem. Agora vai ser sempre assim. Os mortos não reviverão mais quanto se fizer Kuarup. Agora vai ser só festa.
Mavutsinim depois mandou que retirassem os buracos os toros de Kuarup. O pessoal quis tirar os enfeites, mas Mavutsinim não deixou. Tem que ficar assim mesmo, disse. E em seguida mandou que os lançassem na água ou no interior da mata. Não se sabe onde foram largados, mas estão lá até hoje lá, no Morená."

O Pajé e os mamaés
Uma das coisas que mais me chamou a atenção fora a explicação do Pajé Sapaim sobre os mamaés.
Mamaés são espiritos que podem tomar diferentes formas (onça, beija-flor, cobra, pessoas etc...), cada mamaé tem um determinado arquetipo que se relaciona diretamente com a saude dos vivos. Somente o Pajé vê os mamaés e se comunica com eles através do consumo do charuto. Fumando o seu espirito sai do corpo e ele vai conversar com os mamaés para resolver os problemas. Em alguns casos ele dorme e em sonho os mamaés vem se comunicar.
Para os xingúanos a duas formas de se tornar Pajé, o Pajé mais forte é aquele que é escolhido pelos mamaés em determinado momento da vida, outra forma é você aprender com um Pajé já feito. Em ambos os casos ao se tornar Pajé deve-se abdicar de todas as outras funções na tribo e se dedicar somente a pajelança.
O indio antes de se tornar Pajé passa por um tipo de despertar, uma experiencia de quase morte, onde ele vai ao mundo dos mamaés aprende a pajelança depois volta ao mundo dos vivos. Todo Pajé tem um "mamaé guíá"  é o mamaé que o acompanha desde que ele se torna pajé e o guía em todos os rituais.
O Pajé não é apenas um curandeiro é ele o responsavel pela vida espiritual da tribo, todos os problemas sejam fisicos (auxiliando o erveiro²), espirituais ou emocionais são tratados pelo Pajé que é como um médico, sacerdote e psicólogo.

Música e sua função
A musica indigena é um grande e complexo misterio, por vezes fala de saudade, por vezes de trabalho, algumas vezes não fala nada, são apenas murmurios que são ensinados pelos pajés que recebem a música em sonho. O pajé, como afirma o antroplógo e antropósofo Wesley Aragão de Moraes, copia a música de forma imperfeita como ouve no mundo dos espiritos. Copia tambem os instrumentos como lhe é mostrado pelos mamaés geralmente em sonhos. A música é parte importante no cotidiano indigena para todos os rituais e para "despertar" as ervas. Para os indios as músicas não são criadas por eles e sim ensinadas por forças divinas

Resumo
Como disse Allan Kardec em O livros dos espiritos, o espiritismo ainda esta evoluindo e para que tenhamos um conhecimento espirita pleno, devemos estudar todas as suas manifestações.
Na umbanda trabalhamos com o sincretismo e desde a umbanda tradicional trabalhamos com a pajelança porem as vezes esquecemos de nos aprofundar em algumas coisas. Relembro uma vez em que fui tomar um passe com um baiano e ele me falou: "Vocês tão começando a entender as coisas, tem muita coisa pra vocês entender ainda" devemos sempre nos aprofundar no conhecimento para isso a exemplo dos nossos irmãos do candomblé, devemos respeitar e aprender com nossos ancestrais.





 ¹  Wesley Aragão de Moraes - Medicina Indigena Brasileira: Comparação entre o saber dos Pajés e a medicina antroposófica
² Erveiro é um cargo secundario ao Pajé, responsavel pelo trabalho curativo das ervas.




Fontes Bibliográficas: 
Wesley Aragão de Moraes - Medicina Indigena Brasileira: Comparação entre o saber dos Pajés e a medicina antroposófica - 2009
Deise Lucy Oliveira Montardo - Através do Mbaraka: Música e Xamanismo Guarani (USP) - 2002
George de Cerqueira Leite - Kuarup - 2003